
A reforma tributária, promulgada em 2023, representa uma das mudanças mais significativas no cenário fiscal brasileiro das últimas décadas. Com o objetivo de simplificar o complexo sistema tributário nacional, ela traz impactos profundos e diretos para diversos setores da economia, e a comunicação, a mídia e a publicidade estão no centro dessas transformações.
Para discutir os principais pontos dessa reforma e como eles afetam o setor de radiodifusão, entrevistamos Hadler Martines, sócio da PWC e palestrante do 27º CPR. Na conversa a seguir, exploramos desde a simplificação dos impostos até os impactos na operação comercial das emissoras de rádio e TV, passando pela imunidade tributária e os desafios da transição.
Acompanhe os detalhes e entenda como a reforma tributária pode moldar o futuro do nosso setor.
Você pode elencar os principais pontos da reforma e seus impactos diretos na operação comercial de rádio e tv?
A reforma tributária tem como principal objetivo simplificar o sistema tributário brasileiro, que hoje é bastante complexo e fragmentado. Para isso, a proposta prevê a consolidação dos cinco tributos sobre o consumo atuais em apenas três: a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), de âmbito federal; o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e o IS (Imposto Seletivo), ambos de competência estadual.
Além dessa simplificação, a reforma estabelece o princípio da não cumulatividade. Isso significa que os impostos incidirão apenas sobre o valor agregado em cada fase da cadeia produtiva, evitando a famosa “tributação em cascata”, que é quando o mesmo produto é tributado várias vezes em diferentes etapas. Esse efeito será neutralizado pela possibilidade de tomada de crédito dos valores pagos anteriormente, tanto na CBS quanto no IBS, assegurando mais transparência e justiça tributária para empresas e consumidores.
Qual é a principal mudança que a reforma tributária traz para as empresas de comunicação?
As receitas do setor de comunicação, que atualmente são tributadas pelo regime cumulativo de PIS/Cofins, com uma alíquota de 3,65%, passarão por uma mudança significativa. Por se tratarem de receitas provenientes de comunicação, elas se enquadram no artigo referente à imunidade e, com a reforma, estarão imunes da incidência do IBS e da CBS. Isso representa uma relevante vantagem para o setor, já que elimina a tributação cumulativa que antes incidia sobre essas receitas.
E para as emissoras de rádio e televisão?
O novo modelo tributário traz impactos positivos. A principal mudança é que os serviços de radiodifusão terão imunidade em relação à CBS e ao IBS, ou seja, esses tributos não incidirão sobre esses serviços. Além disso, terá o direito de creditar os valores dos impostos que foram recolhidos nas etapas anteriores da cadeia produtiva. Isso contribui para reduzir custos operacionais e aumentar a eficiência das empresas, promovendo um ambiente mais favorável para o desenvolvimento do setor.
A venda de espaços publicitários provavelmente será tributada com as novas alíquotas unificadas, o que deve afetar preços e margens de negociação com anunciantes. Qual o alerta para as empresas nesse sentido?
A reforma tributária trará mudanças significativas para a venda de espaços publicitários, especialmente porque a partir dela esses espaços terão imunidade plena, ou seja, ficarão isentos dos novos tributos. Embora essa mudança possa parecer positiva à primeira vista, ela pode tornar os contratos vigentes economicamente menos vantajosos para as empresas, já que muitos deles foram estruturados considerando a tributação anterior.
Por isso, é fundamental que as empresas façam uma revisão detalhada dos seus contratos atuais, sobretudo das cláusulas relacionadas ao repasse de tributos. É necessário também avaliar de forma antecipada os preços praticados e as margens de lucro, utilizando simulações que contemplem os impactos da reforma. Com essa base, as negociações com os anunciantes devem ser revisitadas para ajustes que preservem a saúde financeira das empresas.
Além disso, a transparência nesse processo é crucial. Comunicar abertamente aos anunciantes sobre os efeitos da Reforma Tributária ajuda a manter a confiança e a justificar eventuais reajustes nos valores cobrados, criando um ambiente de parceria e entendimento.
Que ajustes as emissoras precisam fazer em sua gestão contábil e financeira para se adequar à transição?
A implementação da reforma tributária demanda um planejamento estratégico cuidadoso e adaptação operacional por parte das empresas. Para garantir conformidade, minimizar impactos financeiros e aproveitar ao máximo as oportunidades de otimização tributária, as organizações precisam se antecipar e se preparar para as mudanças.
Com a introdução de novas alíquotas, regras de incidência e um modelo não cumulativo mais abrangente, a transição para o novo sistema terá impactos estruturais nos processos financeiros, no fluxo de caixa e na gestão dos tributos. Nesse contexto, uma preparação proativa torna-se um diferencial competitivo fundamental.
Por isso, é essencial que as empresas façam uma análise detalhada da Reforma, revisem e adequem seus sistemas e processos internos antecipadamente, garantindo assim uma transição segura e eficiente.
Pequenas e médias emissoras terão mais dificuldade de adaptação?
Apesar dos avanços trazidos pela Reforma Tributária, como a imunidade de novos encargos para as pequenas e médias emissoras, é importante destacar que as mudanças poderão exigir uma adaptação compulsória por parte dessas empresas para se alinharem ao novo cenário do mercado. Um dos desafios nesse processo será o aumento da complexidade fiscal, já que, durante o período de transição, os dois regimes — o antigo e o novo — coexistirão simultaneamente. Isso pode demandar esforços adicionais das pequenas e médias emissoras para garantir o correto cumprimento das obrigações fiscais enquanto atravessam essa fase de adaptação.
E em relação a possível redução do chamado “custo Brasil”, a fase de transição (2026 a 2033) vai mesmo exigir investimentos em sistemas, consultorias e compliance? Estes custos tendem a aumentar nesse período?
A ideia é que, com a redução da complexidade do sistema tributário, após 2033, ocorra um aumento na segurança jurídica juntamente com uma diminuição de custos operacionais, criando um ambiente de negócios dinâmico e eficiente que, consequentemente, tenha o potencial de reduzir o “custo Brasil”.
Quanto à fase de transição, sim, serão necessários investimentos visando a adequação dos sistemas. Sendo assim, é imprescindível que as empresas formem um plano de ação, provisionando estes custos dentro do prazo estabelecido, a fim de evitar ocorrências operacionais futuras. Ainda, este planejamento e implementação prévia evitam que as empresas sofram com os possíveis custos elevados ao final do prazo de transição.
A Reforma prevê o Fundo de Desenvolvimento Regional, que pode apoiar projetos de infraestrutura e inovação, possivelmente, incluindo comunicação. Além de incentivos fiscais específicos (como redução de ISS em algumas cidades) que tendem a desaparecer. Isso pode ser visto como um benefício ou um desafio para o radiodifusor?
O Fundo de Desenvolvimento Regional, previsto na Reforma Tributária, tem como objetivo substituir os atuais benefícios fiscais do ICMS, os quais deixarão de existir com a implementação das novas regras. No caso das empresas do setor de Comunicação, vale destacar que, até o momento, elas não usufruem de benefícios fiscais relacionados ao ICMS.
Contudo, as empresas com potencial para se apropriar integralmente dos créditos de IBS e CBS, combinados com a imunidade desses tributos na saída das operações, acabam recebendo benefícios potencialmente maiores do que os incentivos fiscais vigentes atualmente. Ou seja, essa nova sistemática pode trazer vantagens significativas para o setor.
Por outro lado, a reforma apresenta tanto oportunidades quanto desafios. A possibilidade de modernização do sistema tributário e o ganho de eficiência trazidos pelo creditamento fiscal são pontos positivos importantes. Já a perda dos incentivos locais e a necessidade de adaptação estratégica das empresas diante do novo modelo constituem desafios que precisarão ser geridos com atenção.
Em última análise, o impacto da reforma dependerá da capacidade de cada empresa do setor de Comunicação em se ajustar e reposicionar dentro desse novo contexto tributário, aproveitando as oportunidades e mitigando os riscos.
Há espaço para o setor pleitear regimes diferenciados ou benefícios específicos?
Sim, essa possibilidade existe. De modo geral, as operações sujeitas à incidência do IBS e da CBS geram crédito tributário para as operações subsequentes. Entretanto, alguns setores específicos, como o de radiodifusão, contarão com imunidade em relação a esses tributos.
Importa destacar que a Lei Complementar prevê que operações imunes ou isentas, em regra, anulam o direito ao aproveitamento dos créditos relativos às etapas anteriores da cadeia produtiva. Contudo, o segmento de radiodifusão representa uma exceção a essa regra, o que significa que as empresas do setor poderão se apropriar integralmente dos créditos tributários correspondentes às suas receitas.
Assim, de forma específica, as empresas de rádio e TV terão como benefício a imunidade tributária nas vendas e a possibilidade de ressarcimento dos créditos de IBS e CBS, o que contribui para a preservação da saúde financeira e competitividade dessas organizações no novo cenário tributário.